Árvores do antigo bosque já foram derrubadas Foto: Fabio Gonçalves / Agência O Dia |
Em tempos de vigor econômico, um shopping center virou motivo de discórdia no Centro de Duque de Caxias. Vinte entidades da sociedade civil organizada — igrejas, professores, sindicalistas, artistas, ativistas de Direitos Humanos e militantes da causa ambiental — decidiram se unir para impedir a obra orçada em R$ 220 milhões. Dizem suspeitar dos licenciamentos e apontam problemas de infraestrutura no bairro. A Prefeitura de Duque de Caxias, porém, garante estar tudo dentro da legislação.
Um parecer técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, de fevereiro de 2013 — a que O DIA teve acesso com exclusividade — reforça as reclamações do grupo, que se autodenomina Fórum de Oposição e Resistência ao Shopping — sob o sugestivo acrônimo de Foras. Nele, o então diretor de Licenciamento Ambiental, Marcelo Manhães de Amorim, chama a atenção para os riscos do empreendimento — um espaço de 11,5 mil metros quadrados, onde até três semanas atrás era a única área verde na região.
Riscos ao clima
“Enxergando a questão sob um contexto mais amplo”, diz o documento, “concordo que os danos ambientais (...) podem vir a ser de média magnitude regional”. Mesma conclusão a que chegou, um ano antes, Marlos Campos, que, à época, também era diretor de Licenciamento Ambiental. Segundo ele, parecer técnico de sua equipe proibira o corte das 167 árvores por haver entre elas remanescentes da Mata Atlântica. “Indeferimos”, afirma.
Para o ambientalista — e opositor ao projeto — Sebastião Raulino, mestre em Ciência Ambiental, pela Universidade Federal Fluminense, e doutor em Planejamento Urbano, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, o impacto da retirada das árvores será sentido no dia a dia. “Ambiente sem árvores diminui o bem-estar, porque a tendência é aumentar temperatura e concentração de poluentes”, diz, lembrando que a cidade já apresenta bolsões de calor, por conta da impermeabilização do solo.
Área verde ainda estava preservada no início do ano. Corte das árvores e caos no trânsito
viraram polêmica na cidade Foto: Reprodução
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Para Helenita Beserra, membro do Conselho de Meio Ambiente, as ações contrárias aos pareceres técnicos e a impossibilidade de acesso a outros estudos levantam suspeitas. “Podem indicar irregularidades. Os laudos deveriam ser públicos”, desconfia.
Já o representante da Diocese de Duque de Caxias, vizinha ao futuro shopping, padre Bernardo Colgn, dá outro argumento contra a obra: “Falta água, há a questão ambiental, mas é preciso, além disso, pensar sobre que cidade queremos. É dever do Estado oferecer formas de lazer não só pelo viés do consumo.”
Trânsito ruim na região pode piorar
Júlio César terá que fechar a loja Foto: Fabio Gonçalves / Agência O Dia |
Quem conhece a Avenida Leonel Brizola — a antiga Presidente Kennedy —, na altura do Centro de Caxias, sabe que não é boa ideia passar por lá entre 17h e 19h. O trânsito que já é ruim pode piorar, segundo parecer técnico da Secretaria de Meio Ambiente.
Nele, o técnico Marcelo Manhães Amorim afirma que a construção e depois o shopping já pronto causarão transtornos maiores ao trânsito. A opinião é compartilhada por Sebastião Raulino, doutor em Planejamento Urbano pela UFRJ, para quem o centro comercial atrairá outros prédios. “Aí, o trânsito ficará impossível”, diz.
Na região, há uma rodoviária, dois terminais de ônibus, três escolas e três igrejas. “E haverá um shopping, para uma rua e duas faixas de rolamento”, alerta Raulino. Seis pequenos comerciantes, cujas lojas serão demolidas pelas obras, também vivem o drama de ter de sair de seus negócios a qualquer momento. Segundo três deles, ninguém foi indenizado, já que as lojas eram alugadas.
“Não estou em desespero porque tenho Deus, pois as luvas aqui variam de R$ 400 mil a R$ 500 mil, fora o aluguel. De onde tiro esse dinheiro? Meu comércio acabou”, lamenta Saulo Henriques, 52 anos, dono de uma ótica. Diferente dele, Júlio Cesar de Almeida, 61, tomou empréstimo para abrir nova loja: “Estou aqui há 15 anos e vou sair cheio de dívidas. Não tenho mais idade para passar por isso.”
Para o pastor da Maranata Davi Silveira, vizinho à área, após o corte das árvores, já é possível sentir o aumento do calor e a insidência de mosquitos.
Secretário promete disponibilizar laudos e estudos para consulta
"Apesar de toda a crítica e de estar sendo massacrado pelos ativistas, não fiz e não faço nada ilegal. Está tudo dentro da lei”, garante o secretário de Meio Ambiente de Duque de Caxias, Luiz Renato Vergara, que autorizou o corte das 167 árvores — parte delas remanescentes da Mata Atlântica. No local, onde será construído o shopping Central Park, havia até um mês atrás um bosque e era a única área verde do Centro.
Inauguração do Central Park, que terá duas torres e 303 lojas, está prevista para outubro de 2015 Foto: Reprodução |
Vergara prometeu ainda que todos os estudos e laudos estarão disponíveis para a sociedade. Neles, diz o secretário, “é possível ver que não havia árvores nativas impedidas de corte por lei”. “Segundo a Cedae, também não faltará água nem haverá dificuldade para o esgoto do empreendimento”, garante.
Já o secretário de Urbanismo, Luiz Edmundo da Costa Leite, garante que os estudos apresentados até agora mostram que “não haverá aumento significativo de trânsito no tráfego”. “Não passará de 20%, porque é um local no Centro da cidade, onde todos podem chegar andando”, diz.
Para a ABL Shopping, dona do futuro centro comercial, “é natural” que haja críticas, quando há um projeto deste porte, mas afirma que a legislação municipal é cumprida integralmente. Ainda segundo nota da empresa, “o projeto contempla diversas ações com foco no meio ambiente”, como contrapartida. E chama a atenção para os “cerca de 4.500 novos empregos e os R$ 28 milhões de arrecadação de impostos” estimados após a inauguração. No local de 11,5 mil metros quadrados, haverá duas torres comerciais, um hotel e estacionamento com 1.267 vagas.
Fonte: O DIA/NONATO VIEGAS
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