Comunidade do Dique da Vila Alzira, perto do Rio Iguaçu, recorrentemente sofre com enchentes. Foto: Filipo Tardim |
VULNERABILIDADE CLIMÁTICA DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS NA BAIXADA FLUMINENSE CONTINUA
Esta matéria faz parte de uma série gerada por uma parceria com o Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre justiça ambiental nas favelas fluminenses.
Em dezembro de 2023, o técnico em mecânica, Sandro Luís Costa, morador do Parque Amorim, bairro da cidade de Belford Roxo, município da Baixada Fluminense, presenciou um dos temporais mais avassaladores da região. Habitando uma casa de dois andares, a inundação invadiu o quintal, deixando ele e a família ilhados por dias. Impossibilitado de se deslocar, Sandro perdeu mais de uma semana de serviço. Chovendo torrencialmente entre o Natal e o Ano Novo daquele ano, foi necessário mais de uma semana para que as águas secassem. Sua família não teve prejuízo material, mas a grande maioria de seus vizinhos, com habitações mais vulneráveis, perdeu móveis e eletrodomésticos.
Sandro Luís Costa, morador do Parque Amorim, Belford Roxo, técnico em mecânica, registra enchentes em seu bairro. Foto: Arquivo pessoal |
“Teve vizinho meu que ficou com um metro e vinte centímetros de água dentro de casa. Eu medi.” — Sandro Luís Costa
Um caso semelhante aconteceu com Jupira Brasilino, presidente da Associação de Moradores de Jardim Nova Era, em Nova Iguaçu. Por causa das últimas enchentes, ocorridas em fevereiro de 2024, ela precisou se deslocar para o bairro vizinho, uma localidade conhecida como Marco Dois, em Jardim Alvorada. Ao acordar pela manhã, a água barrenta já estava cobrindo os tornozelos. Com os prejuízos, ela recorreu ao Saque Calamidade do FGTS, benefício que, entre seus usos, permite aos trabalhadores afetados por desastres naturais retirar uma parte do saldo do fundo para comprar móveis novos.
No entanto, longe de terem sido um “desastre natural”, as enchentes que atingiram a Baixada em fevereiro de 2024 resultaram, segundo moradores, da negligência do Estado, sobretudo, devido à falta de manutenção da infraestrutura anti-enchentes.
“Instalaram uma bomba perto do rio para tentar melhorar a situação nesses momentos de chuva, mas só funcionou durante uns seis meses. Quebrou e ninguém nunca mais consertou.” — Jupira Brasilino
As Desventuras em Série do Projeto Iguaçu
Em 23 de fevereiro de 2024, após uma nova enchente que ocasionou o transbordamento do Rio Botas, O Globo afirmou que a Casa Civil do governo estadual apresentou à União um projeto para recuperar a Bacia do Rio Iguaçu-Botas e Sarapuí no valor de R$733 milhões, valores que, somados a tudo o que já foi gasto, ultrapassariam a marca de R$1 bilhão.
Negligência do Estado Reforça Danos ao Meio Ambiente com o Avanço das Milícias
Comunidade Vila Alzira. Foto: Filipo Tardim |
É o que relata Marlúcia Santos de Sousa, historiadora especializada em políticas públicas e integrante da direção colegiada do Museu Vivo do São Bento, ecomuseu localizado em Duque de Caxias. Ela conta que a primeira etapa do Projeto Iguaçu, em 2007, começou com tensas reuniões com as comunidades ribeirinhas. Segundo a pesquisadora, o Estado deu uma série de informações desencontradas, o que provocou grande mal estar entre os moradores.
“Aqui em Duque de Caxias presenciamos a vinda de psicólogos para auxiliar no impacto emocional dos moradores, pois muitas famílias que viviam nas margens do Rio Sarapuí e Rio Iguaçu temiam ficar sem teto em função das obras, que removeriam as habitações que já existiam há anos nesses locais. Foi tudo muito confuso e desgastante.” — Marlúcia Santos de Sousa
500 unidades habitacionais foram entregues em 2015 no Residencial Volterra pelo Programa Minha Casa, Minha Vida em Duque de Caxias. Foto: Carolina Melo |
“Hoje, ainda existem onze ocupações, entre elas, a Vila Alzira, uma das comunidades que estão dentro da APA do São Bento e que, junto com a comunidade do Guedes, seria removida e seus moradores realocados para o condomínio Volterra, que faz parte do Minha Casa, Minha Vida e foi entregue no segundo governo da Presidenta Dilma Rousseff. Acontece que, tempos depois, a prefeitura de Duque de Caxias acabou entregando os apartamentos para os moradores da comunidade Teixeira Mendes, no Sarapuí, passando por cima do cadastro feito pelo INEA junto das comunidades do São Bento. Isso sem falar que muitas áreas residenciais recém-construídas estão sob o domínio de grupos criminosos.” — Marlúcia Santos de Sousa
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Famílias denunciaram que não receberam apartamentos no Conjunto Habitacional do São Bento em D.Caxias. Em 2017 reportagem do BOM DIA RIO abordou o assunto. CLIQUE AQUI |
Para piorar, desde 2019, há um esquema bem conhecido de grilagem de terra por milicianos no Guedes, comunidade também conhecida como Novo São Bento. Cercada pelos rios Iguaçu e Sarapuí, o Guedes parece estar brotando de um oásis verde, já que cresce em meio à área de manguezais e taboal, uma planta que cresce em regiões pantanosas. Sem direito à moradia, a negligência do Estado abre a possibilidade de mais um negócio lucrativo para as milícias, que degrada o meio ambiente e aprofunda a vulnerabilidade climática da região.
Pelas dimensões gigantescas do Projeto Iguaçu, uma das exigências contratuais era a criação de um mecanismo popular de monitoramento e fiscalização das obras. Eleições ocorreriam nos bairros das cidades afetadas pelo projeto com a formação de comitês locais. A ideia inicial era que os moradores levassem seus pontos de vista e vivências locais para a formação e execução do projeto, o que o tornaria representativo das demandas dos territórios.
“Segundo informações do INEA, teriam sido eleitos cerca de 70 representantes nos sete municípios, todos com apresentação de ata e lista de presença das reuniões. Apesar da eleição, esse comitê nunca foi apresentado oficialmente ou recebeu algum tipo de identificação ou credencial, sendo tratado meio que extraoficialmente.” — Rogério Gomes
Rogério também afirma que o comitê provocou pouquíssimas interferências reais em relação à fiscalização das obras. Apesar das muitas dificuldades em acompanhar o andamento das obras devido a falta de informações disponibilizadas pela coordenação do projeto, ainda assim, devido a pressão das lideranças dos CAOs, algumas conquista foram contabilizadas com a inclusão da construção da Estação de Bombeamento do Pôlder do Outeiro no Lote XV, a construção de 3 Pontes que enforcavam os rios (gargalos) e o Reassentamento de aproximadamente 1500 Famílias das áreas de inundação no Parque Amorim e jardim Brasil no Lote XV em Belford Roxo e Pilar em Duque de Caxias No caso das irregularidades detectadas pelo grupo, o comunicador afirma existir um “abismo de narrativas” entre o que consta nos documentos oficiais e o que, de fato, foi testemunhado pelos membros do comitê.
“Teve de tudo um pouco: calçadas afundando, ciclovias desabando e quadras esportivas fora da medida. Paralisação de obras, como: a construção do Conjunto Habitacional Cobrex, em Nova Iguaçu, e do Barro Vermelho, em Belford Roxo, da Barragem do Sarapuí e das Estações de Bombas do Pilar e do São Bento, que não conseguimos avançar até hoje.” — Rogério Gomes
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Estação de Bombeamento do Pôlder do Outeiro localizada no bairro Lote XV em Belford Roxo, foi inaugurada em Dezembro de 2010 e é responsável pela drenagem da Bacia do Canal do Outeiro. |
Esta reportagem entrou em contato com o INEA, para o qual foram enviadas perguntas que há anos seguem sem resposta, revoltam os moradores e contribuem com a ansiedade climática. No entanto, até a publicação desta reportagem, o órgão estadual ainda não havia respondido.
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