Endividados. As regras da Febraban garantem atenção especial a quem perdeu renda por desemprego ou doença grave Foto: Rafael Moraes / Rafael Moraes/14-10-2016 |
RIO - Negociar com consumidores que ainda não estão inadimplentes, mas que têm alto índice de endividamento, e dar atendimento especial para casos em que o cliente tiver a capacidade de pagamento reduzida devido a situações como desemprego, morte, doença grave ou divórcio. Essas são algumas das normas para tratamento e negociação de dívidas aprovadas pelo Conselho de Autorregulamentação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) a qual O GLOBO teve acesso com exclusividade.
As regras serão publicadas amanhã e os 18 bancos signatários — entre os quais estão os cinco maiores do país, Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander e Caixa — terão 180 dias para se adaptar. Num contexto de cerca de 60 milhões de brasileiros inadimplentes, segundo dados do SPC Brasil, a meta com as novas normas, diz o diretor de Autorregulação da Febraban, Amaury Oliva, é resolver questões ligadas ao endividamento antes que cheguem às entidades de defesa do consumidor e à Justiça.
— O setor sai na frente com esse normativo. Hoje não há nenhuma lei no Brasil específica sobre esse assunto. É um tema complexo e conflituoso, discutimos internamente um ano até chegar ao pacto que reafirma a importância de políticas claras e transparentes, trata de pontos fundamentais e inova ao falar da ação ativa dos bancos, do dever de acompanhar o endividamento do cliente e procurar orientá-lo. Essa é a matriz do normativo, a colaboração — reforça Oliva.
A economista Ione Amorim, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), considera positiva a iniciativa de autorregulamentação. Mas se diz um tanto cética sobre os efeitos práticos.
— A Febraban já tem normas de autorregulamentação sobre propaganda de crédito desde 2015 e, no entanto, pesquisas que realizamos não mostraram mudanças. A publicidade continua agressiva e descomprometida. O temor é que as novas regras tenham um efeito mais publicitário do que prático. Como vão ser instrumentalizadas essas regras? Quais serão os mecanismos para as negociações irem além de simples prolongamentos de prazo? É isso que a gente quer saber — ressalta Ione.
Segundo Claudia Politanski, vice-presidente do Itaú e membro do Conselho de Autorregulamentação da Febraban, as áreas de crédito e de recuperação de crédito das instituições já estão trabalhando nesses mecanismos:
— As áreas estão bastante engajadas no desenvolvimento de políticas ajustadas a esses princípios. A experiência que nós do Itaú tivemos, no ano passado, com um trabalho de negociação com endividados com a Defensoria Pública nos mostrou que a grande dificuldade é identificar o consumidor que se encaixa nessas situações. Não é simples, mas como tudo tem uma curva de aprendizagem, vamos a prender com erros e vamos implementando — diz Claudia.
Apesar de se dizer entusiasmada com os novas normas, Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon), da Defensoria Pública do Rio, se preocupa pela autorregulamentação não criar obrigação para todas as instituições do setor:
— E o fato é que os maiores bancos já têm alguma política para o trato dos consumidores endividados, apesar de não ser a ideal, ainda são um pouco mais saudáveis. Os maiores problemas estão fora do espectro das 18 instituições que assinam o normativo da Febraban.
Feita essa ressalva, Patrícia destaca que o maior avanço da medida é a possibilidade de negociação das dívidas do consumidor adimplente.
—É comum o consumidor endividado buscar o banco para negociar e não consegui por estar com as contas em dia. Já houve caso de orientarem o cliente a deixar de pagar suas dívidas por seis meses e voltar para negociar. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) já oferece uma proteção importante, mas não é específico. Há projeto de lei tramitando no congresso sobre superendividamento. A norma, nesse sentido, é um avanço, é muito positiva — avalia a coordenadora do Nudecon.
Claudia Politanski, do Itaú, reconhece que foi desafiador para o setor pactuar a negociação com o consumidor endividado, mas ainda quite com os seus débitos.
— Os bancos sempre tiveram dificuldade em negociar com o cliente adimplente. No fim das contas, quem pega um empréstimo tem que saber que terá que devolver ao banco o valor principal e os juros devidos, o bom funcionamento do sistema depende disso. O receio é induzir a um comportamento ruim, de contratar e depois querer mudar as regras de parte a parte. Mas, acreditando na boa-fé do consumidor, o banco também agirá de boa-fé quando reconhecer a necessidade do cliente e buscar soluções para equacionar o problema. É uma busca pelo equilíbrio — afirma.
Mecanismos mais adequados para tratar as questões do crédito, com relações mais transparentes e que pressuponham confiança, têm um efeito positivo para toda a sociedade, diz Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor.
— Com essa nova norma, o setor se compromete a cuidar do crédito, da concessão até o fim. O receio da efetividade é legítimo e o próprio consumidor pode ajudar cobrando a coerência entre as diretrizes e a prática. Mas acho importante o fato desse pacto entre as instituições bancárias defender valores que nós, consumidores, também defendemos. Realmente, é um novo momento. Estamos falando de informação 3.0, com orientação, que fará parte da operação, do treinamento e do monitoramento da atividade bancária — destaca Morishita.
Oliva, da Febraban, diz que as novas regras estão alinhadas com as novas diretrizes das Nações Unidas para o consumidor:
— Tanto no que diz respeito ao crédito responsável e sustentável, quanto à orientação para que o mercado se antecipe e cuide do consumidor.
Fonte: Luciana Casemiro - O Globo
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