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Tombamento de escola pode barrar construção de shopping em Caxias. Pioneira em estratégias de comunicação, unidade de ensino fica perto de área onde empresa quer erguer centro comercial.

Maquete do empreendimento disponível na internet.
Rio - O tombamento da Escola Municipal Doutor Álvaro Alberto pode ser mais uma pedra no caminho do Shopping Central Park, em Duque de Caxias. O processo, acompanhado pelo Ministério Público Federal, se soma à pressão de 21 entidades contra o empreendimento, como mostrou o caderno ‘Baixada’ no domingo passado. 

A reportagem, que denunciou que 167 árvores — parte delas remanescente da Mata Atlântica — foram derrubadas, motivou uma ação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a convocação de um abraço coletivo hoje no bosque onde elas estavam plantadas. 

Se a escola for tombada, o centro comercial pode ficar inviável, já que a lei municipal 2.300 determina que qualquer construção até 500 metros no entorno de bem tombado é controlada. E isso pode ser um problema para a empresa ABL Shopping. 
Proposto em setembro de 2013 pelo Centro de Pesquisa, Memória e História da Educação de Duque de Caxias (Cepemhed), ligado à Secretaria de Educação, o processo de tombamento está na Secretaria de Cultura, que deve enviar o pedido ao Conselho Municipal de Cultura (CMC) para receber parecer. A lei determina que o trâmite não passe de quatro meses. Mas o processo está no décimo. 

Procuradas, as secretarias de Cultura e de Educação, em nota, informaram que seus secretários — Jesus Chediak e Marcos Villaça — só vão se manifestar no CMC na quarta-feira. “Sentaram sobre o processo. Além de descumprir prazos, não deram justificativa nem foram transparentes”, critica o advogado e conselheiro do CMC Milton Trajano. Para ele, “os interesses financeiros prevaleceram”. 

Trajano denuncia ainda que a Secretaria de Meio Ambiente, antes de autorizar a derrubada das árvores, consultou a de Cultura. “A resposta foi não”, afirma. 

Para ele, como havia o processo de tombamento, as licenças teriam que ficar suspensas até a conclusão. 

Escola (D) fica a menos de 500m da área onde será o Central Park
Foto: Fabio Gonçalves / Agência O Dia
Há 93 anos em funcionamento , a escola já foi tema de livros e é tida por mestres da pedagogia — Anísio Teixeira é um deles — como exemplo. Conhecida como Mate com Angu, foi a primeira na América Latina a servir merenda. “Já em 1921, ainda privada, propunha-se a receber de graça os filhos dos operários da região e a usar o cotidiano como estratégia pedagógica”, explica Fátima Davi, diretora do Cepemhed. 

Segundo ela, que é professora, a escola sempre esteve na vanguarda da Educação, inclusive dedicando-se à regionalização. “Tinha o espírito da fundadora, Armanda Álvaro Alberto, uma mulher à frente do seu tempo”, diz.

Projeto de ensino de vanguarda
A Escola Doutor Álvaro Alberto — ou Mate com Angu — nasceu Escola dos Proletários, em 1921. Sua idealizadora, Armanda Álvaro Alberto, foi presa e teve de mudar o nome. Optou por Escola Regional de Meriti, como se chamava o local antes de ser Duque de Caxias. O ‘regional’ no nome não foi por acaso, explica a biógrafa da educadora, Dalva Lazaroni: “A ideia atual de que Educação deve se preocupar com o território dos alunos foi levada à prática por Dona Armanda. Ainda hoje sabe-se de Paris, dos Estados Unidos, mas não se sabe de Caxias”. 

Amigo de Armanda e em início de carreira, Lúcio Costa, que projetaria Brasília anos depois, doou o projeto da escola. Para ambos, a ideia era muito clara, explica o arquiteto Guilherme Zani: “Fazer um prédio integrado ao conceito de lar e colégio.” 

Dalva concorda. Segundo ela, a Mate com Angu ficou, por isso, conhecida como ‘Nossa Casa’. 
Proibida de usar o nome de Escola dos Proletários, Armanda Alberto optou por
Escola Regional de Meriti Foto: Divulgação
Não só. Lá, foram criados o primeiro museu e a primeira biblioteca abertos à comunidade da Baixada Fluminense. “Dona Armanda acreditava que as crianças poderiam atrair os adultos da região, na época analfabetos em sua maioria”, lembra Dalva Lazaroni.

Advogado pede que entidade intervenha para impedir que área verde desapareça
A derrubada de 167 árvores na única área verde do Centro de Caxias, denunciada pelo caderno ‘Baixada’ no domingo passado, foi levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), durante a semana. 

O advogado Pedro Pereira, morador de Caxias, cita a reportagem ao explicar ter decidido levar o caso à corte internacional. O objetivo é impedir a destruição do pouco que sobrou da Mata Atlântica na região. 

Segundo ele, a OEA normalmente age em casos de crime contra a vida, mas ela já se mostrou atenta ao meio ambiente, quando interferiu na construção da usina de Belo Monte. “Lá, como aqui, há risco às comunidades locais”, diz o advogado, que trabalha numa ONG de Direitos Humanos no Centro do Rio. 
Maquete do empreendimento disponível na internet.

Também engajados contra a construção do shopping no local, padres da Diocese de Duque de Caxias e São João de Meriti prometem abraço coletivo ao bosque vizinho hoje, logo após a missa das 7h. “A ideia é que expliquemos a importância de preservar esse local histórico e convidemos os presentes à celebração para o abraço coletivo, às 8h”, adianta o padre Bernard Colgan. 

O pastor Davi Silveira, da Igreja Maranata, também vizinha ao empreendimento, concorda. Ele destaca a importância da mobilização da sociedade, “em respeito à memória e meio ambiente da cidade”.

Empresa informa ter cumprido a lei
Para a ABL Shopping, dona do empreendimento, é natural a oposição a um projeto grande como o do Central Park. Em nota, a empresa alegou que a legislação permite o desenvolvimento do centro comercial e que todas as determinações legais “foram cumpridas fielmente”. 

Destaca ainda que o shopping vai contribuir para a melhoria da região, sendo “opção de entretenimento, com salas de cinema, boliche e alimentação”, além da “ampliação do espaço para compras em Caxias, levando para a região lojas e marcas que hoje os moradores só encontram em outros municípios”. 

Com custo de R$ 220 milhões, o projeto, em área de 11,5 mil metros quadrados, prevê a geração de 4.500 empregos e a arrecadação de R$ 28 milhões por ano em impostos, após a inauguração. Haverá ainda duas torres comerciais, um hotel e estacionamento com 1.267 vagas.
Fonte: O Dia/NONATO VIEGAS

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