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Família de brasileira que morreu de maus-tratos na gravidez recebe indenização imposta pela ONU.

Foto mostra Maria de Lourdes Pimentel, mãe de Alyne Pimentel (à esq.), e as ministras Maria do Rosário (segunda da esquerda para a direita), Eleonora Mennicucci (segunda da direita para a esquerda) e Luiza Barros (à dir.) durante um reconhecimento público, em nome do governo federal, da responsabilidade do Estado na morte de Alyne da Silva Pimentel após atendimento da rede pública de saúde.
No dia 11 de novembro de 2002, Alyne da Silva Pimentel tinha 28 anos e estava grávida de seis meses. Sentia dores abdominais e decidiu ir à maternidade Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória, em Belfort Roxo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Depois de passar por exames, foi mandada de volta para casa com a garantia de que ela e o bebê estavam bem. Dois dias depois, precisou voltar ao hospital e, ao ser reexaminada, descobriu que o coração do filho já não batia. O sofrimento de Alyne não parou, no entanto, por aí. Depois de parir um natimorto, esperou 14 horas para ter a placenta removida e viu seu quadro de saúde se agravar. Precisou, então, ser levada ao Hospital Geral de Nova Iguaçu, mas teve que aguardar oito horas por uma ambulância. Quando chegou ao local, a equipe médica que a recebeu constatou que seu prontuário não tinha vindo com ela e nada pode fazer. Um dia depois, Alyne faleceu.

Alyne da Silva Pimentel: Uma morte materna
plenamente evitável
Quatorze anos após sua morte e depois de ter perdido em todas as instâncias judiciais do Brasíl, a família de Alyne recebeu, há poucos dias, uma reparação financeira (de valor desconhecido) imposta ao Brasil pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher — departamento da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, sua mãe viu surgir hoje, na Maternidade Mariana Bulhões (aberta dentro do hospital em que Alyne morreu), uma seção que levará o nome da gestante morta e que reunirá informações sobre gravidez de alto risco. Amanhã, a família participará de um seminário sobre o assunto. O evento acontecerá às 14h, na sede da Procuradoria do Estado do Rio, e marcará o desfecho do primeiro caso de condenação por violação de direitos humanos em morte materna em todo o mundo.

— Não foi fácil. Esgotamos todas as opções de Justiça e de reparação no estado e no país. Só depois fomos apelar para esse comitê especifico da ONU — contou Sonia Correa, pesquisadora da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids e que acompanhou o caso desde o início.


Para Maria de Lourdes da Silva Pimenta, mãe de Alyne, a condenação servirá para evitar que outras mães percam suas filhas da mesma forma que ela perdeu a sua.

— Minha filha, semanas antes de morrer, estava comemorando o aniversário de minha neta Alice. Alyne não vai voltar, mas o que posso fazer é ajudar para que outras mães não vivam o que vivi — desabafa Maria de Lourdes, que chegou a se encontrar com a ex-ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos) para contar sua história. — Ela me abraçou, pediu perdão e chorou. Eu não chorei. Consegui me segurar.

Mas, se em Brasília a mãe de Alyne conseguiu se conter, o mesmo não costuma acontecer no caminho que faz todo dia na Baixada Fluminense.

— Meu ônibus passa em frente à maternidade em que minha filha foi atendida. Antes, não conseguia olhar para lá. Hoje até olho, mas me emociono.

Alyne faz parte de um grupo aterrorizante. É uma das 4.100 mulheres que morrem em decorrência da gravidez todos os anos no Brasil, segundo dados de 2005 da Organização Mundial de Saúde (OMS). Para se ter uma ideia, o número representa um quarto de todas as mortes de mulheres latino-americanas. E, ainda segundo a organização internacional, 90% delas poderiam ser evitadas se houvesse cuidados no pré-natal.

A melhoria dessa área da saúde é uma das oito Metas do Milênio que o Brasil concordou em pôr em prática até o ano que vem junto à ONU. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2012, a redução da mortalidade materna foi de 3,6% em todo o mundo. No Brasil, no entanto, este número foi seis vezes menor, de apenas 0,6%. Alyne vira agora símbolo desta luta por melhorias.

— O estado está dando um passo importante ao reconhecer que o sistema de saúde falhou com Alyne — disse Mônica Arango, a diretora regional da América Latina e do Caribe do Centro de Direitos Reprodutivos. — Mas ele deve mas deve agir rapidamente para que sejam criadas políticas públicas que melhores os serviços de saúde materna para todas as mulheres.
Fonte: O Globo
03/04/2014

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