Quadrilha do Detran faturava até R$ 2 milhões por mês. Oitenta e oito funcionários e um PM foram presos por fraude nos postos de vistoria do Detran. Bando recebia de R$ 50 a 1.000 reais para liberar documentação de carros.
Em troca do 'cafezinho', tinha até vistoria pipoca. Quadrilha movimentava cerca de R$ 2 milhões por mês burlando a fiscalização
"Vistoria fantasma" ou "vistoria pipoca", ao gosto do freguês. Na primeira, toda a documentação era feita pela internet, e o veículo nem precisava ir a um posto do Detran. Na segunda, o carro até pegava uma fila, mas não passava pela inspeção e era aprovado de qualquer maneira. As duas modalidades de fraude faziam parte do trabalho criminoso oferecido por uma quadrilha que atuava no estado do Rio, desbaratada ontem por uma ação conjunta entre a Corregedoria do Detran-RJ, a Polícia Civil e o Ministério Público, com o apoio de agentes da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE).
A Operação Cruzamento mostrou que funcionários de postos do Detran na capital, na Baixada Fluminense e na região metropolitana recebiam propina para aprovar, na vistoria obrigatória, caminhões, ônibus, táxis e vans sem as condições mínimas de passar pela inspeção. De acordo com as investigações, o grupo era ligado a milicianos que agem em Santa Cruz, na Zona Oeste, e faturava cerca de R$ 2 milhões todos os meses, desde pelo menos 2009.
Entre os 89 presos, estão um falsário, um policial militar e um miliciano.
O falsário detido era o responsável por adulterar documentos públicos que seriam utilizados em processos administrativos no Detran. Na casa dele, foram encontrados cadernos com a contabilidade da quadrilha e armas.
Nas investigações, foram cruzados dados de diferentes postos. Havia uma tabela com os valores das propinas, que variavam de R$ 50 a mil reais, dependendo do cliente, do grau de dificuldade da operação, dos fraudadores envolvidos e da quantidade de serviços ilegais solicitados.
A quadrilha praticava também outros crimes, como a lavagem química de documentos para que veículos fossem transferidos para novos donos sem qualquer vistoria.
Com isso, também se legalizavam automóveis roubados.
A primeira suspeita sobre o esquema veio em 2009, em um inquérito sobre milícias em Santa Cruz, quando surgiu o nome de Marco Aurélio Nóbrego, o Marquinho Santa Cruz. Foram encontrados processos no Detran em que ele aparecia como despachante. Em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, Marquinhos foi flagrado dizendo que queria metralhar equipes da corregedoria do Detran que estavam investigando as fraudes.
O acusado foi preso ontem, em casa, em Santa Cruz.
Funcionários detidos
Entre as 89 pessoas detidas, a maioria era de funcionários do Detran-RJ, em 17 cidades do estado, incluindo a capital — muitos deles sem antecedentes criminais. Mesmo assim, os presos poderão pegar penas de até 20 anos de prisão.
Tiroteio em Acari
Uma das pessoas presas foi Mônica Generosa da Silva, de 45 anos, capturada em casa, em Magalhães Bastos. Ela disse que costumava levar ônibus de empresas para um posto do Detran. Já na Favela de Acari, houve confronto entre policiais e bandidos. Um traficante ficou ferido no tiroteio.
Golpe em três níveis
O esquema funcionava em três níveis: havia os clientes (pessoas ou empresas), que buscavam os serviços da quadrilha; despachantes, falsários e "zangões" (despachantes ilegais), que agiam como intermediários; e funcionários do Detran.
Quadrilha regional
A quadrilha agia nos postos de Santa Cruz, Campo Grande, Barra, Irajá, Vila Isabel, Centro, Belford Roxo, Nova Iguaçu e São Gonçalo. O esquema era operado de forma regionalizada, com núcleos nesses lugares, mas com ligação entre si.
Motoristas na mira
Cerca de 700 veículos em situação irregular, de pessoas que teriam se aproveitado esquema, já foram identificados. De acordo com a Polícia Civil, todos os automóveis citados nas investigações como tendo sido beneficiados pelas fraudes sofrerão restrições administrativas. Se for comprovado que o dono sabia estar cometendo um crime, ele será devidamente processado.
Ação conjunta
A Operação Cruzamento começou às 6h da manhã e reuniu 12 delegados, 520 outros policiais e 43 agentes do Detran e das corregedorias da Polícia Militar e da Polícia Civil. Os agentes saíram às ruas com 122 mandados de prisão e 35 de busca e apreensão.
A maior quadrilha
O presidente do Detran, Fernando Avelino, disse que ações como a de ontem têm sido possíveis graças ao desenvolvimento da tecnologia da informação no órgão e da atuação da corregedoria. Para o delegado e corregedor do Detran, David Anthony Alves, é o maior esquema de corrupção já detectado no órgão no Rio de Janeiro. Já o subchefe da Polícia Civil, delegado Fernando Veloso, informou que outras quadrilhas continuam agindo.
Grupo da Secretaria da Fazenda fraudava o IPVA
Em outra operação, o Ministério Público desmontou um esquema de sonegação do IPVA que causou prejuízo de pelo menos R$ 2 milhões aos cofres públicos, conforme noticiou o "RJTV 2ª edição", da Rede Globo. O golpe contava com a participação de pelo menos três servidores da Secretaria estadual de Fazenda: o auditor fiscal Marcelo Aranha de Araújo e os agentes fazendários Gilberto Maia Filho e José Rangel Neto, todos afastados do cargo. A quadrilha ainda incluía o despachante Luciano Ferreira.
De acordo com o MP, o despachante era o intermediário e oferecia ao proprietário a possibilidade de pagar uma alíquota menor. Em seguida, um dos servidores entrava no banco de dados da secretaria e fazia as alterações. Em vez de o contribuinte pagar o IPVA como pessoa física, pagava como se fosse uma locadora de veículos, que recebe desconto.
Para alguém que pagaria R$ 1.600, por exemplo, a quadrilha cobrava R$ 1 mil é desembolsava só R$ 200 de IPVA. O restante era embolsado pelo grupo, que responderá em liberdade por sonegação fiscal e formação de quadrilha.
Em cinco meses, o tributo de mil veículos foi fraudado.
Tensão na ALERJ (Extra Extra - Berenice Seara)
A operação de ontem, nos postos do Detran, deveria ser batizada Lexotan na Praça Quinze.
Embora fosse um dia de pouco movimento, era visível o clima de tensão na Assembleia Legislativa.
Em especial, em torno de três deputados governistas, que indicaram os chefes das unidades investigadas.
Fonte: Extra / O Globo
0 Comentários