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Corpos que não se decompõem viram mistério em cemitérios da Baixada Fluminense. Em Belford Roxo tem caso de até 15 anos para exumação.

Fotos: Davi de Castro.
BAIXADA - Debaixo das mais de 32 mil sepulturas existentes em dez cemitérios de Nova Iguaçu e de outras cidades da Baixada Fluminense, há mais de 300 corpos que a terra não tem pressa de comer. Geralmente, cadáveres demoram de 9 a 12 meses para se decompor, enquanto a ossada pode durar até uns quatro anos.

Porém, desafiando os mistérios da vida e da morte, as pessoas não entendem e nem mesmo a ciência explica os motivos pelos quais muitos corpos permanecem praticamente intactos debaixo do chão, após 15 anos de sepultamento. Há casos ainda mais misteriosos sobre alguns com mais de 300, 500 e até 2 mil anos.

Por força de lei federal (nº 1740/83), regulamentada pelos estados e municípios, os corpos têm prazo de três anos para serem exumados. Os parentes ou familiares, no dia do sepultamento, recebem comunicado da data que deverão retornar para proceder a exumação (retirar os restos mortais e guardar na gaveta).

A reportagem do Jornal de Hoje percorreu 10 cemitérios, oito deles administrados pela funerária São Salvador, e apurou que, nesse universo, são sepultadas mais de 1000 pessoas por mês, além de mais de 300 corpos sem exumação porque ainda não estão totalmente decompostos. Nesse caso, o prazo é prorrogado por mais um ano. Se ninguém procura o corpo, os restos mortais são retirados e sepultados no “ossário geral”, ou é feito o chamado “sepultamento coletivo”. Em ambos os casos, os ossos são lançados junto a outros em um grande buraco nos fundos do cemitério.

Pele e osso
No cemitério da Solidão, em Belford Roxo, por exemplo, onde existem aproximadamente 7 mil sepulturas e quase 200 enterros por mês, há pelos menos 50 casos de prorrogação de exumação, principalmente na quadra para onde jorra o esgoto de uma comunidade colada ao muro do cemitério. O administrador Alexandre Campelo, com vários cursos no ramo, conta que há casos com cinco, sete, dez e até 15 anos sem exumação. “Há o corpo de uma mulher que toda vez que a gente abre a sepultura, o cadáver está intacto”, revela. Ele só evita citar nomes e outros detalhes, por considerar “assuntos restritos à família”, e “para não infringir a lei”, justifica. “A pele fica esticadinha sobre os ossos”, interfere um coveiro.

Coro de tambor
Já no cemitério de Nova Iguaçu, onde existem aproximadamente 15 mil sepulturas e mais de 200 sepultamentos mensais, existem mais de 60 casos de prorrogações de exumação. “Isso acontece muito onde há cova rasa e aqui só temos gavetas desde 2005”, justifica o administrador Lourival Figueiredo. “Tem casos aqui que o corpo fica sequinho igual coro de tambor. A pele fica colada no esqueleto. Se a gente levantar, dá pra manter de pé. Não tem como exumar”, comenta o coveiro Paulo Henrique, 56 anos.

No Jardim da Saudade, em Mesquita, onde há mais de 10 mil sepulturas, e a média mensal é de mais de 200 enterros, “as prorrogações de exumação são raras”, diz uma funcionária. “Aqui as sepulturas têm duas vagas, são perpétuas e só retira o corpo para exumar, quando a família vai sepultar uma terceira pessoa”, completa. “Temos aqui umas 40 prorrogações, entre cinco e sete anos, pelo fato do corpo não estar totalmente decomposto”, confidencia um coveiro.

Sepultura coletiva
No cemitério municipal de Mesquita, com 4 mil sepulturas e quase 150 sepultamentos mensais, existem aproximadamente 40 prorrogações. “Mas não passam de cinco anos, senão vai para o sepultamento coletivo”, conta um dos coveiros, pedindo anonimato, temendo represálias, ao saber que se tratava de reportagem. “Quando tem três anos, a gente abre. Se tiver carne, a gente deixa mais dois anos. Depois, mesmo que haja pele, se parente não procura, o corpo vai para o coletivo”, revela.

Nos cemitérios de Marapicu, Jaceruba, Austin (2) e Iguaçu Velho, Engenheiro Pedreira e Japeri, onde existem mais de 2 mil sepulturas, e são enterrados, em média, 400 corpos por mês, os administradores estimam que existem aproximadamente 200 casos em que a terra parece que não está muito a fim de comer os corpos.

“Nosso caso mais antigo aqui, tem cinco anos de prorrogação, porque o corpo ainda não se decompôs”, diz José Carlos, administrador de Marapicu. Para ele, as condições da temperatura do terreno ajudam a conservar o corpo. Carlos Alberto, o Carlinhos da Funerária, lembra do alfaiate H (prefere não citar o nome). “Com sete anos de sepultura, o corpo estava intacto”, afirma.

O mapa da morte
Rosângela Fonseca, diretora do Pax São Salvador (plano de assistência familiar, em parceria com a concessionária), tem o mapa da morte. “De janeiro a abril, morrem mais pessoas. E de maio a setembro morrem menos. Ou seja, morre mais gente no tempo quente do que no tempo frio. No verão, são os mais jovens. No inverno, os idosos também. As causas que predominam, nas duas ocasiões, são as de infarto. E os mortos que faziam tratamento de câncer, por exemplo, e eram submetidos à quimioterapia, têm a decomposição mais demorada. Mas, também, há outros motivos”, conta.

Motivos da demora
Estudos e pesquisas científicas revelam que o tempo de decomposição do corpo pode ser retardado por alguns fatores como a umidade, a temperatura e a presença de animais. Quanto mais fundo o corpo for enterrado, mais lenta será a decomposição. Mas há algumas situações que ninguém consegue explicar.

Em geral, a decomposição “é um filme de terror de arrepiar os cabelos de qualquer defunto”, brinca o fisiologista Marco Guimarães, da Universidade de São Paulo (USP). “O corpo é atacado de todos os lados por animais e substâncias produzidas pelo próprio corpo, enquanto as bactérias famintas entram no banquete”, observa. Os órgãos se desfazem e o cérebro vira um caldo.

No local onde falta oxigênio, a flora típica e a presença de minerais inibem a proliferação de bactérias e fazem do terreno pantanoso uma espécie de “formol” natural. Ali o corpo cria a adipocera – uma substância orgânica que converte tecidos gordurosos em uma cera que protege os órgãos e retardam a decomposição.

Para médicos e legistas, deve-se levar em consideração, também, a doença que levou a pessoa à morte. “Se a pessoa fazia uso de remédios, do tipo antibiótico, a decomposição do corpo pode demorar mais tempo”, afirma o legista aposentado Átila Boldrim, que atuou mais de 40 anos no Instituto Médico Legal (IML) de Nova Iguaçu. “Mas há casos que não tem explicação”, assegura.

Casos misteriosos
No nosso planeta existem pelo menos 10 casos bastante misteriosos de corpos que atravessaram séculos e, mesmo em condições naturais, se recusam da decomposição. Eles estão documentados em uma das edições da revista Galileu. Dentre estes casos, quatro deles chamam mais atenção no mundo.

Santa Zita – Uma empregada doméstica que morreu em 1272, aos 60 anos de idade. Passados 300 anos, o corpo da mulher foi exumado sem sinais de decomposição. A pele apenas secou sobre os ossos.

Dashi-Dorzho Itigilov – um budista russo morreu durante a meditação em 1927 e exumado há alguns anos depois. No ano de 2002, o túmulo fora aberto e seu corpo apresentava sinais de ter morrido há 36 horas.

La Doncella – uma garota inca, de 15 anos, fora levada para as montanhas argentinas, morreu sentada, após forte pancada na cabeça. Descoberta 500 anos depois, o seu corpo estava intacto, inclusive as roupas.

Lady Xin Zhui – esposa de um nobre e milionário chinês, viveu comendo carne extravagantemente e, muito gorda, morreu de infarto há 2 mil anos. Em 1971 o corpo foi descoberto e a pele estava suave.
Reportagem; Davi de Castro
Fonte: jornal de Hoje
08/08/2017

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